Henrique fitou o irmão, angustiado. Os seus olhos transmitiam um desespero e uma dor tão intensas que impressionaria qualquer pessoa. Sabia que iria morrer e nada podia fazer para o evitar. Fez um esforço desmesurado para mexer as mãos, mas só o que conseguiu foi mexer o polegar esquerdo e isso com muito esforço e sofrimento. Fechou os olhos, cansado. Fez novas tentativas, mas o resultado foi sempre o mesmo.
Dez minutos depois, Marta entrou no quarto, cautelosa. Sorriu ao ver o enfermeiro a dormir de boca aberta e o cunhado com a cabeça de lado. Até ali o plano corria às mil maravilhas. Acercou-se da cama e sentou-se, com um sorrisinho diabólico estampado no rosto.
– Deves ter pensado que eras mais esperto do que eu, meu caro, mas enganaste-te, como vês… Sempre fui mais inteligente do que tu e no fundo sempre o soubeste, por isso me receavas tanto. Dou-te um minuto para encomendares a alma a Deus ou ao diabo. Fica à tua escolha. É só o tempo de eu me preparar.
Henrique fitava-a com os olhos quase a saltarem-lhe das órbitas. O seu maior pesadelo estava a acontecer e ele sem nada poder fazer para o evitar. Não devia haver morte pior do que aquela. Sentir que alguém o estava a matar e nem um grito de socorro conseguir fazer sair da sua boca.
Marta levantou-se, sorrindo. Fitou-o nos olhos e estremeceu levemente ao vê-los com um ódio e desespero tão intensos. Iria recordar sempre até ao fim da sua vida aqueles olhos nos seus piores pesadelos.
– Bons sonhos, querido marido…
Afastou-se dele e acercou-se da mesinha, colocando as chávenas sujas no tabuleiro juntamente com o termo. O seu trabalho ainda não terminara; o mais difícil começava agora…
Deslizou rapidamente para o andar inferior, deixando o marido entregue aos seus dolorosos pensamentos e derradeiros momentos de vida.
“Meu Deus, ajuda-me, por favor! Não me deixes morrer assim… Alguém tem de saber o que esta mulher me fez. Ela não pode ficar sem castigo. Desejo tanto viver! Ver minha filha e meu irmão felizes e à minha volta… Sei que conseguiria recuperar com a ajuda deles. Por favor, salva-me! MEU DEUS, SALVA-ME!”
Duas lágrimas rolaram-lhe pelas faces e pararam-lhe nos lábios. De nada valia ter esperança. Só lhe restava aproveitar os últimos momentos de vida que lhe restavam e não o faria rezando, pois no seu coração não existiam remorsos de nada que tivesse feito contra alguém. Na sua fé sabia que Deus, se é que existia mesmo, o perdoaria por isso. Tinha de pensar rapidamente numa maneira de não deixar impune a criminosa que o matava. Sem saber como, conseguiu ter força suficiente para mexer a mão esquerda o suficiente para a colocar debaixo do seu corpo, com o polegar colado à aliança. Esperava, dessa maneira, indicar ao irmão e ao amigo Fernandes quem o matara.
Todos os seus músculos estavam paralisados. Sentiu o coração parar de bater e deixou de conseguir respirar. Ainda conseguiu fixar o rosto adormecido do irmão.
“Que Deus te abençoe, meu irmão! Vela pela minha querida Joana!”
E com a lembrança do rosto da filha acabou por fechar os olhos.